O negócio como uma causa

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Muhamud Matsinhe
Economia | 13 de março
Clientes usando máquinas de venda automática Clientes usando máquinas de venda automática - Spenser Sembrat

Se estiver no Japão e, de madrugada, sentir vontade de tomar alguma bebida ou de comer algo rápido, as máquinas de venda automática são uma das possíveis soluções. Disponíveis em quase todas as esquinas do país, são frequentemente encontradas mesmo no rés-do-chão ou defronte do seu prédio.

Trata-se de um negócio muito conveniente para o consumidor, uma vez que as máquinas estão abertas 24 horas por dia, espalhadas por todo lado e com uma diversidade de produtos, desde quentes e frios, como águas, chás, cafés, sumos, refrigerantes, bebidas alcoólicas, comidas rápidas, e até cigarros, entre outros bens essenciais. Entretanto, na perspectiva do investidor, sempre fiquei curioso em saber até que ponto as máquinas de venda são um negócio rentável.

Dados indicam que o Japão tem a mais alta densidade de máquinas de venda do mundo, com pouco mais de cinco milhões de unidades. A Associação Japonesa dos Manufatureiros das Máquinas de Venda estima que exista aproximadamente uma máquina para cada 23 pessoas e que as vendas anuais totalizam pouco mais de 60 biliões de dólares. Feitas as contas, isto equivale a dizer que cada máquina vende cerca de 12 mil dólares por ano, qualquer coisa como mil dólares por mês e 33,3 dólares por dia. Calculo que a sua elevada concentração, provavelmente, tem resultado na canibalização de algumas máquinas e consequente quebra de vendas.

Mas, antes mesmo desta minha breve consulta, havia colocado essa dúvida ao meu professor de Marketing Internacional, o Professor Masaaki Kotabe, um guru de marketing com especialidade em estratégia e negócios internacionais. A pergunta despertou um debate sobre diferenças nas estratégias de negócio entre a perspectiva americana, que geralmente domina o resto das escolas de negócio do mundo, e a japonesa, marcadamente local e pouco debatida pelo mundo fora. Na opinião do Professor Kotabe, a abordagem americana de negócio centra-se na eficiência, ou seja, na busca constante pela minimização dos custos, no cumprimento dos objectivos do negócio. Contrariamente, a abordagem japonesa é pela eficácia, na ideia de que o mais importante é a satisfação das necessidades do cliente, baseando-se no princípio de que “quando o objectivo é definido, tem que ser alcançado, seja a que custo for”.

O preço da causa

A par das máquinas de venda, o Japão tem uma rede de mais de 50.000 lojas de conveniência espalhadas pelo país. Estão em praticamente todas as esquinas e a sua maioria funciona 24 horas por dia, oferecendo uma vasta gama de serviços essenciais como produtos alimentares, incluindo refeições prontas-a-comer, material escolar, serviços de reprografia, ATMs, entre outros.

Em Janeiro de 1995, o Japão foi atingido pelo terramoto Hashin-Awaji, que, dentre vários danos, cortou as comunicações entre a cidade de Kobe e o resto do país, incluindo as principais vias de acesso. Na sua explicação, o Professor Kotabe recorda que, durante esse período, os distribuidores chegaram a usar helicópteros para abastecer as lojas de conveniência com produtos frescos como banana, sem, no entanto, influenciar o preço final. Dito doutra forma, os custos de distribuição subiram, mas não foram trespassados para os consumidores, uma vez que as lojas continuaram a vender os produtos mais ou menos aos mesmos preços.

O outro exemplo inédito de negócio como uma causa é o da empresa Japan Railways, que decidiu manter operacional a estação de trem Kyu-Shirataki, em Hokkaido. A zona era remota e pouco habitada, com apenas uma passageira que apanhava o comboio regularmente. Tratava-se de uma estudante do ensino secundário, que apanhava o comboio de e para a escola. A companhia ferroviária manteve operacional a paragem subutilizada até que a passageira ‘especial’ concluísse o nível e graduasse.

Claramente, o principal propósito do negócio aqui não é apenas o lucro, mas sim a causa de satisfazer o cliente. Não quero com isso dizer que as empresas japonesas não estão atrás do lucro. O que acho é que elas não colocam o lucro no topo das suas prioridades ou como a única condição para prestarem o serviço ao cliente. Há uma componente de responsabilidade social, no sentido em que a empresa continua fiel ao seu compromisso de prestar serviço ao cliente, mesmo nos momentos de crise, e que os efeitos da crise não podem ser imediatamente passados para o cliente. Manter uma estação de comboios operacional, por exemplo, significa infra-estrutura, serviços e pessoal em pleno funcionamento. A Japan Railways justificou que decidiu “manter a estação subutilizada aberta por alguns anos por uma boa causa”.

Recentemente, a pandemia de COVID-19 ofereceu vários exemplos do género. Quando pelo mundo fora havia despedimentos em massa de trabalhadores por causa da crise, as empresas japonesas amiúde mantiveram os seus trabalhadores, mesmo na situação de balanços negativos.

Perante esses exemplos, a curiosidade que sempre nos salta à mente é sobre os custos que as empresas suportam ao abraçar modelos de negócio que têm uma parte significativa focada em causas sociais. O Professor Kotabe considera que a perspectiva japonesa de fazer negócio pode ser dispendiosa, reflectindo-se nas margens de equidade pagas aos seus investidores. Enquanto as empresas americanas possuem margens de retorno de equity estimadas em 20%, as japonesas apresentam margens mais modestas, situadas entre 4 a 5% para os investidores.

Mas então, como sobrevivem as empresas que abraçam tais modelos? Especulando, podemos dizer que empresas como as de máquinas de venda automática possivelmente registam lucros noutras fontes de receitas mais lucrativas, dada a diversidade de seus produtos e negócios. Assim, ao apostar nestes projectos, a empresa presta um serviço importante à sociedade, na esperança de que, eventualmente, esses empreendimentos atinjam o break-even e comecem a gerar lucros, beneficiando-se de economias de escala.

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